Milionários brasileiros grilam terras para construir mansões.



Nas espumantes águas verde-esmeralda do Atlântico, nas costa leste do Brasil, região de Angra dos Reis, a Ilha da Cavala é um paraíso tropical de vegetação exuberante, emoldurada por rochas gigantes. Também é onde o milionário Antonio Claudio Resende, fundador da maior empresa de locação de automóveis da América Latina - Localiza Rent a Car tornou-se um grileiro.

A partir de 2006, ele devastou a mata virgem pertencente à Zona de Conservação da Vida Silvestre da Área de Preservação Ambiental de Tamoios, onde florescem bromélias silvestres, abrindo espaço para construir uma mansão de 1.752 m², conforme informações do órgão estadual de controle do meio ambiente do Rio de Janeiro. A casa - construída parcialmente subterrânea e escondida pela exuberante floresta circundante - só é visível por cima, de avião.

Antonio Claudio Resende quebrou as regras que lhe deram o direito de ocupar a terra, preservando a natureza, não para construir a enorme casa descoberta pelos juízes federais brasileiros. Ele vem lutando há mais de 4 anos contra ações civis e criminais, desafiando ordens judiciais para demolir a casa e desocupar a área.

Antonio Claudio Resende está entre os milionários que passam férias e finais de semana em casas construídas violando as leis ambientais estaduais e federais num dos mais bonitos estados do Brasil, apontou um relatório do INEA de agosto de 2011.

Os invasores incluem o diretor de cinema Bruno Barreto, que destruiu a terra preservada na Ilha do Pico na Baía de Paraty, conforme afirmações dos promotores.

Outros, como a família que controla a gigante multinacional da construção Camargo Correa S/A, receberam permissão do governo para construir pequenas casas em uma reserva natural e, em vez disto, construíram verdadeiros condomínios residenciais à beira-mar.

Os herdeiros de Roberto Marinho, que criou as Organizações Globo, o maior grupo de mídia da América do Sul, construiu uma mansão de 1.300 metros quadrados, com piscina e heliporto particular em uma parte da Mata Atlântica que por lei deveria ser intocada.

Produtores de Hollywood escolheram uma mansão em estilo polinésio, no Saco de Mamanguá, como cenário romântico numa cena de sexo em "The Twilight Saga: Breaking Dawn Part 1", o quarto filme da série de vampiros teen. A casa foi construída pelo "grileiro/posseiro" milionário Icaro Fernandes, um executivo da indústria de distribuição de alimentos.

"Por lei, todas as praias brasileiras são públicas. Brasileiros ricos fazem o que querem em terras que muitas vezes não lhes pertence", diz Eduardo Godoy do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade(ICMBio), escritório de Paraty , que administra áreas protegidas pelo governo federal.

"Eles acham que são os únicos que merecem desfrutar de um pedaço do paraíso, porque eles são ricos", diz Godoy. "Eles dizem que são os donos da ilha ou da praia, e todo mundo acredita neles. Mas não é isso que diz a lei. "

Icaro Fernandes se recusou a fazer qualquer comentário mas Rogério Zouein, seu advogado, admitiu que Icaro Fernandes tinha construído uma casa sem uma licença. Rogério Zouein disse aos promotores, em abril de 2011, que Icaro Fernandes poderia restaurar 95 por cento de sua propriedade à sua condição original desde que ele pudesse ficar com a casa. Os promotores estavam avaliando o este pedido.

Essa resposta judicial é uma estratégia comum que muitos dos "grileiros ricos" usam para lidar com as ordens dos juízes. Eles normalmente não negam que prejudicaram o meio ambiente e comprometem-se a desfazer o estrago. Depois disso, eles não tomam nenhuma atitude.

O diretor de cinema Bruno Barreto prometeu no tribunal em janeiro de 2008 que iria demolir a sua casa e colocar a área de volta ao seu estado original dentro de dois anos. Quatro anos depois, Bruno Barreto permanece na propriedade, sem devolvê-la ao seu estado original, segundo promotores. Bruno Barreto, que está apelando das sentenças do governo, não quis fazer comentarários.

Como os ricos ficaram cada vez mais ricos no Brasil a partir do rápido crescimento econômico há mais de duas décadas, o uso ilegal de terras públicas está aumentando em áreas de preservação, diz Godoy, cujo órgão federal ambiental em Paraty, uma cidade colonial do século 17 à cerca de 250 km ao sul do Rio de Janeiro, enfrenta uma baía repleta de ilhas ilegalmente ocupados.

"Os 'grileiros' optaram por residir nas áreas de preservação ambiental como Cairuçu, Juatinga e Tamoios, em florestas e ilhas, com rios, cachoeiras e praias com ninho de tartarugas. Os advogados são contratados para evitar o enquadramento nas leis, mentir para as autoridades sobre os pedidos de licenciamento de construção, destruir ilegalmente terras preservadas e rios e privatizar praias, contratando seguranças armados para impedir a entrada de visitantes", diz Godoy.

Aplicadores da lei e os juízes que trabalham para remover invasores de reservas naturais têm pouca influência, diz Fernando Amorim Lavieri, um procurador federal que passou três anos na área de Paraty. Brasileiros ricos podem fugir de quase tudo, diz Lavieri. "A lei é a mesma para os pobres e os ricos, mas os ricos têm os melhores advogados", diz ele. "Ações judiciais contra eles se arrastam em tribunais por anos."

A economia do Brasil, impulsionado por um aumento de crédito e expansão das exportações durante a última década, aumentou o valor dos ativos, incluindo bens imóveis, ações, títulos e commodities, criando 19 novos milionários a cada dia em um país de 190 milhões de pessoas, de acordo com o 2010 World Wealth Report da Capgemini SA (PAC) e Bank of America Merrill Lynch.

Os brasileiros têm um patrimônio coletivo líquido de 890 bilhões dólares americanos, ou 39% de todos os bens individuais na América do Sul, de acordo com um relatório de novembro 2011 pela Wealth-X, uma empresa de pesquisa sediada em Cingapura.

"Grileiros" se aproveitam das brechas nas leis, diz Lavieri. A partir de 1983, o governo federal promulgou leis para preservar as regiões de Paraty e Angra dos Reis e proximidades pois as espécies raras estavam em risco de extinção. Estatutos locais permitem a algumas pessoas de viver lá, porque famílias de pescadores e indígenas já viviam em áreas hoje preservadas para as gerações futuras.

Todo mundo que compra o direito de uma propriedade em uma área de conservação, se estiverem autorizados a construir, devem seguir o limites rígidos sobre o que podem construir, .

"Se eles não seguem as regras, o governo pode revogar seu direito de ocupar a terra e ordená-los para demolir o que construíram", diz José Olímpio Augusto Morelli, analista ambiental que dirige o escritório do Ibama, órgão federal ambiental do Brasil, em Angra dos Reis. O Ibama ordenou que Antonio Claudio Resende derrubasse a mansão que estava construindo na Ilha de Cavala.

Promotores federais acusaram Antonio Claudio Resende, vice-presidente e maior acionista da Localiza Rent a Car S/A , de fraude e crime ambiental em novembro de 2007. Resende, de acordo com as acusações criminais, havia apresentado documentos falsos na hora de obter as licenças para construir a sua mansão na Ilha da Cavala.

Em março de 2008, a Polícia Federal, Ibama e agentes do governo estadual invadiram a Ilha de Cavala em duas lanchas e encontraram o paraíso escondido. Nesse ataque, Morelli diz, ele viu duas enormes máquinas que Resende teria usado para escavar o mais de 2.000 metros quadrados de terra para esconder a sua mansão abaixo da linha das árvores

"Eu vi uma lareira grande o suficiente para caber um carro, e haviam pilhas enormes de mármores por toda parte, esperando para ser colocado sobre os pisos e paredes", diz Morelli. Promotores processaram Resende em um caso civil em agosto de 2008, sob a acusação de ter violado as regras ambientais.

De acordo com um inquérito policial federal, Resende pagou 4,8 milhões de reais (US $ 2,8 milhões) em novembro de 2005 a AC Lobato Engenharia S/A, uma empresa de engenharia com sede em Angra dos Reis, que possuía o direito de ocupar a terra.

Resende recorreu das acusações civis e criminais. Ele alega que os juízes federais não possuem competencia para se pronunciarem sobre o caso porque a área de Preservação Tamoios foi criado por um decreto estadual. Sergio Rosenthal, seu advogado, disse no tribunal que Resende não sabe nada sobre as fraude e/ou documentos falsos.

Do outro lado da Baía de Paraty, Ícaro Fernandes, proprietário da Rhino Participações e Distribuidora Alimentos Ltda, uma distribuidora atacadista de alimentos sediada em São Paulo, comprou um pedaço de 400.000 metros quadrados de terra em 2003 na Praia da Costa em uma localidade conhecida como "Saco do Mamanguá".

A propriedade, de 8.000 hectares fica dentro da área de preservação ecológica do Juatinga e é protegida porque é local do único fiorde tropical na América do Sul . O local é ladeado por montanhas cobertas de florestas praticamente intocadas, onde macacos, tamanduás e onças vivem.

Ícaro Fernandes construiu uma mansão de 666 m² na praia, disseram os promotores em um processo judicial civil contra ele. A casa tem 15 quartos, persianas em madeira e vidro do painel das janelas do andar térreo. Uma pousada e chalé em plena área de preservação ecológica.

Ministério Público Federal processou Ícaro Fernandes em Novembro de 2004 por não possuir licença ambiental para construir. Ele havia derrubado partes da floresta protegida, construído uma represa e retirado parte da vegetação costeira, escreveu em seu relatório, de 3 de janeiro de 2006, a procuradora federal Patricia Venancio.

Um tribunal ordenou em 2004 que Ícaro Fernandes parasse com a construção e ele não o fez. Desde então, ele está apelando de demandas judiciais para derrubar a casa, de acordo com um relatório de setembro 2011 do ICMBio, ele se comprometeu a restaurar a terra ao seu estado original.

Paul Pflug, porta-voz da Summit Entertainment Corp (Sebo) diz que a empresa não tem conhecimento das acusações do procurador da justiça brasileira sobre a propriedade onde ele filmou Breaking Dawn.

A maioria dos milionários registram as propriedades nos nomes de holdings, o que lhes permite pagar menos impostos e tornando mais difícil para o governo saber quem é o responsável pelos crimes ambientais, diz Ricardo Martins, um procurador federal. Muitas vezes, as empresas são controladas por outras empresas sediadas em paraísos fiscais .

É o caso da família de mídia Marinho. Os Marinhos violaram leis ambientais através da construção de uma mansão de 1.300 metros quadrados, ao largo da praia de Santa Rita, perto de Paraty, diz Graziela Moraes Barros, um inspetor no ICMBio.

Sem qualquer autorização, a família Marinho construiu em 2008 uma casa modernista entre dois grandes blocos de concreto independentes e cobertas de vidro, diz Graziela Moraes Barros. A casa dos Marinhos ganhou vários prêmios de arquitetura, incluindo o Wallpaper Design Award de 2010.

Os Marinhos acrescentaram uma piscina na praia pública e limparam uma floresta protegida para abrir espaço para um heliporto, diz Graziela Moraes Barros, que participou de um ataque da propriedade como parte do processo que a promotoria federal move contra a construção no terreno.

"Esta casa de um fornece exemplos para alguns dos crimes ambientais mais graves que vemos na região", diz Graziela Moraes Barros. "Muitas pessoas dizem que esta é a regra Marinhos do Brasil. A casa de praia mostra a família, certamente pensam que eles estão acima da lei. "

Para espanto de qualquer que tente usar a praia pública, dois seguranças armados com pistolas patrulham a área, diz Graziela. Em novembro de 2010 Um juiz federal ordenou que a família demolisse a casa e todos os outros edifícios na área. Os Marinhos entraram com uma apelação desta decisão judicial em Março de 2011.

Bruno Barreto construiu a sua casa dos sonho em uma ilha distante 15 quilômetros do condomínio dos Marinhos. Segundo a polícia, o diretor de cinema não tem o direito de uso da terra. Em Fevereiro de 2006 os promotores acusaram Bruno Barreto pelo desmatamento ilegal de uma floresta protegida localizada em uma área que pertence à Marinha do Brasil.

A inspeção efetuada em setembro 2008 pelo ICMBio descobriu que Bruno Barreto tinha construído uma mansão de 450 metros quadrados, em cima de rochas que circundam a ilha - um crime porque a área é protegida como um terreno fértil para várias espécies, diz Godoy da ICMBio.

Bruno Barreto, que foi casado com a atriz Amy Irving e que dirigiu "View From the Top", estrelado por Gwyneth Paltrow e "Carried Away", com Dennis Hopper, não cumpriu a promessa feita ao tribunal em 2008 de demolir a casa. Ele e seus advogados, Arthur Lavigne e Fernanda Silva Telles, não responderam aos pedidos de comentários.

Os donos da Camargo Corrêa, o maior conglomerado de construção do Brasil, também construíram em uma área de preservação, diz Graziela Moraes Barros. A Agropecuária e Comercial Conquista Ltda e a Regimar Comercial SA são donos da terra. Fernando de Arruda Botelho é o proprietário da empresa de Agropecuária.

Ele é casado com a bilionária Rosana Camargo de Arruda Botelho. Regina de Camargo Pires Oliveira Dias, irmã de Rosana, é a proprietária da Regimar. A família construiu um condomínio de luxo na reserva natural de Cairuçu, de acordo com relatórios do Ibama. Em outubro de 2011, a família construiu ilegalmente duas casas de 700 metros quadrados, somando-se a construção já autorizada, diz Barros.

Em junho de 2010, a praia foi o local escolhido para o casamento de Fernando Augusto Camargo de Arruda Botelho, filho de Fernando Botelho. Cerca de 800 convidados compareceram.

Fernando Botelho não quis comentar. O diretor executivo da Regimar, José Sampaio Correa, diz que a empresa obteve as licenças necessárias para a construção. Ele diz que regras ambientais em áreas de conservação são, por vezes contraditórias e confusas. A Burocracia do Brasil, muitas vezes torna difícil o cumprimento das leis, diz ele.

"Essas ações são a prova de que ignoram completamente a lei, tomam posse dos recursos naturais e acreditam que seus direitos são maiores do que os direitos de todo mundo", diz procurador Lavieri.

Como inspetor ambiental Morelli fica pronto em seu escritório com o seu barco pronto para um outro ataque em uma ensolarada manhã de janeiro, ele admira as belas ilhas e florestas que ele vê de suas janelas. Ele diz que sonha com o dia em que os brasileiros ricos irão dar o exemplo de como fazer as coisas corretamente. Até então, ele diz, o dinheiro continuará a ser mais poderoso do que a lei.

Fonte: Bloomberg Magazine
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